Prof. Dr. Thiago Bernardino de Carvalho
Unesp/Botucatu
Os acontecimentos que duram mais de sessenta dias, envolvendo dois grandes países da economia mundial, poderiam ser enredo de um filme de suspense ou de uma novela, mas passam longe desses propósitos. Estão mais para um jogo de xadrez e/ou um jogo de blefe. Para os amantes das cartas, um bom truco.
De um lado, temos um grande player, a China, com uma das maiores populações mundiais, que passa e continua passando por problemas sanitários, humanos e com animais, este último instaurando uma corrida frenética para a compra de alimentos ao redor do mundo, gerando uma crise energética e problemas econômicos, custos elevados, inflação e problemas de insolvência para algumas empresas. Nesse jogo, tem o poder de definir o que, de onde, como e quando comprar. É bem verdade que não há muitos países que irão conseguir prover em termos de volume e custo o que os chineses precisam.
E, do outro lado, um gigante na produção de alimentos, o Brasil que, com toda a sua vantagem comparativa (clima, solo, água e terra disponíveis), viu ao longo dos últimos dois anos uma válvula de escape para escoar sua produção num ambiente incerto de pandemia e fazer crescer suas divisas, os empregos no setor, assim como a renda no campo. Mas também viu sua dependência crescer vertiginosamente.
Ambos jogadores possuem cartas para poder ganhar esse jogo. A grande questão imposta pelo comprador, e não pelo fornecedor, foram as regras desenvolvidas no comércio entre ambos, que acabam por afetar toda a cadeia.
A forte dependência do país asiático em relação à carne bovina brasileira – de toda a proteína bovina exportada pelo Brasil, entre janeiro e setembro de 2021, 49% foram para a China – coloca uma pressão muito forte sobre todos os agentes da cadeia, desde a indústria de insumos, passando pelo setor produtivo, até outros setores e distribuidores.
A China apresenta as cartas desde o âmbito político, pelas falas do atual governo brasileiro, e há necessidade de um discurso mais respeitoso, assim como comercial, e uma renegociação de preços, já que o país vinha pagando, mês após mês, mais caro pelo produto brasileiro.
Pelo lado brasileiro, é extremamente complicado apontar “dedos” para achar um culpado, mas fica uma mistura da falta de uma representação governamental mais incisiva em termos de acordos – com a criação de acordos bilaterais de compra e venda –, a construção de uma forte dependência chinesa (que foi justo e bom ao longo da pandemia, mas, em termos econômicos, é péssimo depender de apenas um grande comprador), principalmente pelo elo industrial, e por fim, a falta da gestão de risco de preços por parte do pecuarista num ano de custos elevados.
A China, que ainda irá depender muito da carne brasileira, vem nos mostrando por bem ou por mal, que precisamos evoluir em vários aspectos em toda a cadeia: pecuaristas, indústria e governo, apesar do crescimento consistente da pecuária na última década. E nós devemos aprender, mais uma vez, que a agropecuária, assim como a economia, é cíclica e o bom empresário é aquele que olha no longo prazo e não apenas para os bons momentos mercadológicos. Há muito jogo, com blefe, na questão da carne bovina entre Brasil e China, mas cada qual sabendo até onde pode jogar e sabendo que jogando sozinho não irá a lugar nenhum. Resta montar uma boa estratégia daqui para frente e decifrar antecipadamente os movimentos de seu parceiro comercial.
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